Sustentabilidade é uma palavra de alcunha nova. Modismo que se popularizou ato seguido aos descobrimentos de buracos na camada de ozônio, aumento nos casos de cânceres de pele em latitudes austrais, cegueira em ovelhas neozelandesas pela exposição aos raios ultravioletas, extermínio da biodiversidade de áreas dantes inalcançáveis, constatação do degelo das calotas polares, chuva ácida, intoxicações massivas por agrotóxicos, acúmulo de resíduos plásticos em correntes oceânicas, contaminação de lençóis freáticos por insumos utilizados na agropecuária, poluição de aqüíferos por dejetos das mais variadas origens, desmatamento das últimas reservas florestais, esgotamento de jazidas das mais diversas riquezas minerais, etnocídio pela redução do habitat das últimas populações indígenas incontactadas, impossibilidade da existência de grupos tradicionalmente extrativistas pelo esgotamento de suas reservas, aumento do monopólio na gestão e distribuição de alimentos pelas condições cada vez mais adversas enfrentadas pelos agricultores tradicionais dos quatro cantos do planeta decorrente das mudanças climáticas, enfim, é uma palavra que se propaga como sendo uma panacéia contra a desconcertante certeza de que a atividade do ser humano na Terra inviabiliza as expectativas mais otimistas de futuro.
Pois bem, o roll de catástrofes acima é meramente exemplificativo. Aqui em Maceió vemos como a lagoa está cada dia mais podre, vemos como as praias estão cada vez mais insalubres, como o caranguejo, a carapeba e o camarão estão cada vez menores mais raros e mais caros, até o sururu está acabando. Mas não se preocupem também para Alagoas existe uma saída sustentável, o álcool, combustível orgânico, grande piada. Primeiro que para plantar cana há desmatamento e queimada, depois que para colher cana há nova queimada, a emissão de CO2 nesses processos fazem do Brasil um dos maiores poluidores do mundo e finalmente, a mão de obra ainda é análoga à escravidão. A sustentabilidade é fiel, fiel aos usineiros, que por sinal além de receberem subvenções não pagam impostos.
Não é fácil, dentro do quadro constatado acima, encontrar uma estratégia para convencer a população do mundo que siga no mesmo sentido e direção. Daí surge a idéia de SUSTENTABILIDADE. Espera-se que a produção e distribuição de riquezas se mantenham com o mesmo padrão, ou seja, capitalista, no qual cada indivíduo concorre com seu vizinho na obtenção de vantagens e se realiza não pela consecução de seus propósitos se não pela superação quanto ao intento de seus semelhantes. Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba e Ceará têm um IDH superior ao de Alagoas e Sergipe, mesmo assim querem fazer a transposição do Rio São Francisco. Os contos de fadas da época de nossas avós falam de um príncipe montado a cavalo hoje vemos catadores de papéis montando cavalos, não adianta ter, há que se ter mais que os outros e isso é insustentável. O capitalismo é insustentável, dentre outras coisas, porque necessita de um contínuo e interminável crescimento a qualquer custo para garantir a saúde financeira de três sistemas principais: o mercado financeiro, o fiscal e também o sistema previdenciário. Sobre a previdência cabe uma observação exemplificativa. Na década de 40, no Brasil havia 31 contribuintes para cada beneficiário da previdência, em 1980 só 2,9, hoje temos 1,7 contribuinte para cada segurado, em 2030 será um contribuinte para cada segurado, é por isso que hoje o aposentado contribui até a morte, mesmo assim é matemático que o atual modelo requer constante crescimento. Europa e EUA momentaneamente suplantaram este desafio valendo-se de imigrantes ilegais que apesar de pagarem impostos como o IVA, imposto unificado sobre o valor agregado de despesas ou consumo, não tem direito á aposentadoria e demais benefícios, em suma os milhões de imigrante ilegais são parias sem acesso aos direitos humanos mais fundamentais como saúde, educação e moradia, lembre-se, estamos falando de EUA e Europa.
A dependência financeira de uma geração de pessoas em relação a outra conta com o imperativo de crescer sempre e cada vez mais, tanto do ponto de vista populacional quanto material. Disso se tira que devemos encontrar dentro da “sustentabilidade” uma forma de crescer para sempre.
Estando claro até mesmo para o próprio Adam Smith, pai do liberalismo, que desvinculada do trabalho a economia de mercado é especulativa e por tanto fadada à crise. Aponta o norteador das economias do ocidente: “é o trabalho, trabalho em geral, a única fonte da riqueza de uma sociedade” numa de suas obras mais reconhecidas intitulada, A Riqueza das Nações. E trabalho, senhores, consiste em transformar a natureza em bens de consumo. Pedras em paralelepípedos, petróleo em energia, bauxita em alumínio, minério de ferro em aço, árvores em papel, florestas em campos de cultivo. Se somente com o trabalho e a mais valia pode-se imaginar nosso sistema de produção e distribuição de riquezas, como podemos imaginar que uma produção constantemente em crescimento seja sustentável?
Sinceramente não entendo como uma idéia tão frágil desde o ponto de vista prático pode ter tido tamanha repercussão. Como seria possível o crescimento indeterminado das economias mundiais se essas estão ligadas à transformação da natureza em bens servíveis ao consumo e se essas fontes são esgotáveis? Dado que o crescimento econômico é impossível do ponto de vista do espaço físico e ambiental, esses sistemas estão fadados à falência. O que estamos vendo é uma enorme crise econômica que antecede a irrefreável crise ecológica. Tudo isso sob o influxo da morfina apelidada de exploração sustentável das riquezas. Enquanto isso os presidentes, diretores, gerentes e engenheiros das grandes corporações trabalham com conceitos que pela proximidade conhecemos muito melhor, mas não sabemos o nome.
Ninguém quer que saibamos. A verdade é que há décadas que ouvimos: já não se faz mais carros, bolsas, geladeiras, coisas... como antigamente e por mais que constatemos que os bens de consumo são cada vez mais efêmeros ainda há aqueles que querem nos enfiar pela goela abaixo o mito da sustentabilidade. OBSOLESCÊNCIA PLANEJADA é o nome da técnica que norteia a produção das grandes empresas. Quantos anos deve funcionar um carro antes de se tornar inviável sua manutenção? Dentro de quantos meses devo revelar o novo avanço tecnológico que deixa totalmente obsoleto o produto vendido hoje? Como faço tudo isso sem que se note que estou destruindo o planeta? Tem outra técnica que também tem funcionado sobremaneira e se chama OBSOLESCÊNCIA PERCEPTIVA. Esta se confunde com a moda, com o glamour, o status. Um a calça jeans é sempre de algodão e azul, mas se estamos num ano em que a moda é calça justa não tente usá-la folgada, será melhor sair nu pelas ruas. E isso acontece também com bens duráveis, nos países ricos mobiliários completos são descartados porque a cor predominante saiu de moda. Carros, barcos, motos devem ser novinhos em folha. Até destinos turísticos que hoje são chiques amanhã se tornam bregas.
Obsolescência e seus limites, quão efêmero pode ser um produto para que o cliente continue satisfeito, isso é o que realmente se discute nas grades corporações da China, do Japão, da Europa, do sudeste asiático e dos Estados Unidos os maiores poluidores do planeta e que nunca foram sancionados por sê-lo. Enquanto isso nós aqui no Brasil, possuidores das maiores reservas naturais do mundo, o país mais rico e o povo mais pobre, fechamos os vidros dos nossos carros americanos, europeus e asiáticos na cara de crianças brasileiras famélicas, seduzidos pelo fetiche do consumo deixamo-nos enganar pela insustentável mentira da sustentabilidade.
por João Luiz Valente
Nenhum comentário:
Postar um comentário